sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O colega explique aí à jornalista

A sala do pavilhão está cheia, conto cabeças, mais de uma centena. Há caras conhecidas, gente que passou por governos anteriores. Todos são professores. O tema é quente: público e privado ou público vs privado.
São poucos os que estão do privado, a maioria é do público e o discurso estou cansadinha de o ouvir: os alunos não são os mesmos, nós temos os piores, aqueles cujos "paizinhos" não querem saber, nem sequer ouvir falar da escola... os rankings, ai os rankings... a comunicação social está sempre em cima da escola pública...
Eu adoro rankings e sei o quão mal feitos são. Mas também sei – e estamos sempre a salvaguardar isso no PÚBLICO – que não se podem comparar escolas que levam centenas de alunos a exame com outras que levam meia dúzia; nem escolas vocacionadas para o prosseguimento de estudos com as que não têm essa vocação, nem escolas no centro das grandes cidades com as do interior do país.
Embora seja moderadora, volta e meia faço uma achega às palavras dos principais intervenientes para completar uma ou outra ideia e a páginas tantas digo: quando olhamos para os rankings o que vemos é que os alunos das escolas públicas e das privadas que estão no topo da tabela são os mesmos. São miúdos que querem entrar na universidade, que precisam das notas, cujos pais são licenciados e pessoas preocupadas com a educação. São a mesma massa".
Do fundo da sala pede a palavra a professora que trabalha na escola pior do concelho, aquela que está a ficar sem alunos e os que lá ficam são os piores, os que não estudam, os dos currículos alternativos, identifica a docente. Dirige-se ao director Filinto Lima, que está na mesa e diz-lhe: "O colega explique à jornalista que a massa – não sei qual é a massa, se é esparguete – não é a mesma, ela não deve saber o que são alunos PIEF [Plano Integrado de Educação e Formação], que isto agora é tudo por siglas..."
Enquanto a professora fala, dirigindo-se ao colega, para desconforto do mesmo, e não a mim, penso: Não há uma cadeira de "boa educação" nos cursos para professores? Ou um módulo de "saber estar em sociedade"? Senhor ministro, na prova não pode fazer-lhes uma oral de "como se dirigir a pessoas que não sejam professores"? Porque falarem umas com as outras, sabem as senhoras professoras, mas com os alunos, com os pais e outros membros da sociedade as dificuldades revelam-se evidentes. Talvez seja o ambiente, sim, a culpa deve ser dos alunos com que lida diariamente e dos pais. Por isso, fala como eles, é isso, continuo nos meus pensamentos.
Quando termina, sorrio-lhe e clarifico: "A massa é a mesma nessas escolas, não na sua e eu sei o que são alunos PIEF, assim como sei que não é fácil trabalhar com eles. Mas, os alunos das escolas de que falava são filhos de pais da mesma classe social com as mesmas preocupações e têm milhares de horas de explicações e sobre isso, os professores também deveriam reflectir. Porque são precisas tantas explicações para ir a exame?" 
Compreendo a frustração que é trabalhar com alunos que não querem estudar, que estão desmotivados. Compreendo que não é fácil fazer projectos, planos, procurar incluir a comunidade, os pais, e tudo sair furado. Compreendo a revolta. Tudo, menos a falta de educação vinda de alguém que deve ser a primeira a dar o exemplo porque é uma professora. Em tempos idos, chamar-lhe-iam "mestra".
BW


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