domingo, 17 de junho de 2012

D. Albino Cleto, um homem feliz

Foi há 20 anos (ou mais?) que os jovens da diocese de Lisboa se meteram a caminho de Roma. Uma peregrinação que marcou muitos, mas não tantos quanto a ida à Polónia para estar num encontro com João Paulo II, uns quatro anos antes.
Estaríamos em Assis ou Florença, não sei, à porta de uma igreja, para entrarmos. Uma de nós não podia porque trazia uns calções vestidos. As igrejas italianas não permitem decotes, mangas à cava, calções ou mini-saias. À porta da igreja, com um pano brasileiro a cobrir-me, eu despia as calças para a rapariga dos calções vestir, de maneira a entrar na igreja. Ao meu lado, ela estava coberta por uma toalha, a despir os calções, de maneira a trocarmos.
Uma freira que acompanhava o grupo critica-nos. Não sabiamos que era assim? O que é que nos faz vestir daquela maneira? Porque é que não respeitamos os locais de culto? Mais: porque é que não nos respeitamos a nós próprias e ao nosso corpo? Porque nos vestimos assim? Porque nos expomos?
Somos quatro ou cinco, umas a segurar os panos, outras a despirem-se, de mochilas às costas, a ouvir aquela condenação de uma rapariga que tem mais dois ou três anos do que nós, mas é diferente, é consagrada, logo, com uma moral acima da nossa, acredita.
Atrapalhada com as calças a meio das pernas, olho para ela com a sua saia azul, a t-shirt branca e o fio de prata com a cruz da congregação a que pertence pendurada e não resisto: O que a faz falar com aquele fel na voz? Não está bem com a sua sexualidade? O problema da Igreja é que nunca nenhum dos consagrados está bem com a sua sexualidade!
A voz da jovem freira altera-se, ofendida com as minhas palavras, que péssima cristã sou eu!, acusa-me. Nisto aparece D. Albino Cleto, que acompanhava a peregrinação, pequenino, com um sorriso largo e olhar curioso. O que fazemos ali?, pergunta.
Algumas riem, outras coram, eu explico. Ele ri-se com vontade. Olha para a rapariga dos calções e diz-lhe que entre, entre no santuário que vale a pena e descreve algumas das obras que poderá ver lá dentro. Explica-nos que por vezes as regras parecem exageradas mas que fazem falta porque senão as pessoas entram como querem. "Boa sorte" acena-nos.
Não resisto a olhar para a jovem freira. "Vê? Afinal há alguns consagrados de bem com a sua sexualidade. Ainda tem muito a aprender. Aprenda com eles." Nunca mais me falou, nem na peregrinação, nem depois disso, apesar de nos encontrarmos com frequência nos mesmos grupos de trabalho. Também não aprendeu o significado do perdão, do dar a outra face.
De D. Albino Cleto ficou-me a melhor recordação, a de um homem feliz, que nos cumprimentava sempre e conversava. Gostava de conversar e de sorrir. Morreu sexta-feira.
BW

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